sábado, 27 de outubro de 2007

Falsos democratas, falsos humanistas (I)

Sempre quando falo de meu desencanto com a forma de fazer política no Brasil, tendo a complicar o olhar de meus interlocutores comprometidos ideologicamente. Para um direitista posso ser um esquerdista; para este eu sou um daquele. Eu adoro vê-los trabalhando dentro de suas limitadas lógicas para conceituar a tudo e a todos. Divirto-me.

No caso específico deste comentário, volto-me para a esquerda brasileira, a religiosa – leia-se militante. Os indivíduos pertencentes a tal esfera política são os mais interessantes de observar. Têm discursos pomposos, citações de grandes pensadores ou políticos – nem sempre esquerdistas, haja vista o caso de Cláudio Lembo – e, não raro, posições polêmicas ou simplesmente equivocadas. No site fazendo media temos ótimos exemplares dessa espécie.

Há uma professora da Universidade Federal Fluminense chamada Ariana Facina que escreve por lá. Na realidade professa essa religião, a de militante esquerdista. Volta e meia registro alguns comentários discordando da forma como ela e outros articulistas expõem sua visão de mundo, sempre aparentemente com coerência e enleado à verdade.

Recentemente, a polêmica foi por causa do filme “Tropa de Elite” – novidade...

Para a professora e cia., não há dúvidas: “Tropa” é um filme fascista, de apologia à tortura e ao BOPE. Num misto de preocupação social e ideologia pura, Facina e Marcelo Salles, jornalista e articulista também do site, denunciaram a “lavagem cerebral” que o filme faz nas crianças da periferia. Conforme eles, já teriam testemunhado várias criancinhas encarnando o capitão Nascimento, demônio em forma de gente.

Registrei um comentário argumentando que o filme “Cidade de Deus” provocou algo semelhante entre crianças. Facina respondeu que crianças de classe-média não brincavam de Zé Pequeno, personagem marcante da obra de Fernando Meirelles, e não havia comparação entre o impacto de “Cidade” e o de “Tropa” nas crianças. Repliquei lembrando-a da febre entre adultos, adolescentes e crianças de todas as classes, causada pela sutil frase “Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno, porra!”. Além de ter ido parar nas pistas de dança da juventude abastada, sampleada por djs. Indaguei também como ela poderia ter tanta certeza em suas afirmações sobre o impacto no comportamento das crianças. Haveria alguma demonstração científica? Facina ou Marcelo nada respondeu.

Definitivamente, o comportamento da militância em geral é condicionado ao pensamento “cabeça-de-cuco”, adjetivo cunhado muito convenientemente por Arnaldo Jabor, um homem odiado por crentes direitistas e esquerdistas.

Voltando ao filme, na ótica maniqueísta da professora, como Rodrigo Pimentel - um dos roteiristas - alegou ser uma obra sem compromisso ideológico, trata-se de um alinhamento com o outro lado. Dentro do raciocínio dela, o filme é fascista por ter sido construído sobre a ótica opressora de Nascimento, reproduzindo e legitimando a ação do BOPE na vida real. Quando tomei conhecimento dessa perspectiva na qual os esquerdistas crentes afogam-se para criticar a obra, foi inevitável lembrar a cruzada religiosa norte-americana nos anos 80, contra discos e artistas do pop e rock. A culpabilidade por causa de comportamentos suicidas e insanos de jovens era atribuída à música. Sempre quando a justiça foi acionada, os músicos venceram...

Outra estranheza me causa certo “zelo” dos nossos humanistas crentes quando tem de referir-se aos criminosos da favela ou periferia. Na verdade não existem criminosos nessas localidades nunca, conforme o discurso dessa ala progressista. Todos envolvidos na ilegalidade estão no balaio de vítimas do sistema, foram obrigados a escolher o crime. Moro em periferia e posso garantir que as coisas não são bem assim. Muitas incursões ao crime são opcionais; afere-se numa balança da consciência os meios existentes para enfrentar as dificuldades sociais e chega-se à conclusão de que o melhor é alcançar o “status” pelo crime. A polícia, que realmente não é um braço confiável do Estado, passa a ser criminalizada unicamente. Não há o mesmo zelo em problematizar o comportamento do policial. Este sempre é o opressor, movido pela ânsia de matar pobre (sic). Se o sistema, posicionando-se agora no paradigma dos humanistas em questão, leva ou não ao agente do Estado proceder de tal forma, não é interessante. Tem-se uma falsa humanização do bandido – que é um infrator da lei, seja pobre ou rico –, descambando para uma leniência pura e simples.

Definitivamente, a parcela dogmática da esquerda não procurou analisar os vários problemas explicitados em “Tropa de Elite”, optando pelo escândalo e uma falsa moralização, portando-se como a direita conservadora. Encerro este comentário por aqui. Somente voltarei a falar do filme após vê-lo novamente, dessa vez no cinema.

Porém ainda seguirei com o assunto sobre a esquerda crente em outro comentário.

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