terça-feira, 12 de maio de 2009

O horror como espetáculo

Qual será o espírito de nossos dias? Será ele mesmo um outro ou apenas sofreu uma gradação e continua essencialmente igual? Espetacularização é algo sintomático de nossos dias? Ou apenas evidencia-se hoje devido à era tecnológica?


Semanas atrás um prédio de uma loja tradicional de instrumentos musicais e produtos eletrônicos incendiou-se no Centro de Vitória, onde trabalho. Como era horário de almoço e teria que deslocar-me até o banco e passar por perto do desastre, dei uma olhada nos acontecimentos.

Mais parecia um espetáculo catastrófico. Na era digital, delimitada pela linha de segurança da polícia, a "plateia" – sim o número de pessoas equivalia a uma – filmava e fotografava tudo de seus celulares e máquinas. O fogo era intenso e, pelo visto, proporcional à euforia das pessoas diante do horror. Mesmo com uma fumaça densa se formando, muitos não retrocediam; perder um instante daquele jamais!


Hoje, também na hora do almoço, uma algazarra explodia na avenida, enquanto estávamos na sala do trabalho. Quando olhamos pela janela do 1º andar, apenas víamos os gestos e expressões das pessoas do outro lado do prédio. Não restavam dúvidas: tratava-se de um ladrão que roubou alguém e saíra correndo rua afora.


Ao descer para ir à Caixa Econômica – quem vê pensa até que estou cheio da grana ... –, "focos" de pessoas já estavam formados, em especial frente ao banco, localizado a 20 metros do meu trabalho. Pensei: devem ter agarrado o bandido – "grande" marginal, diga-se de passagem – e o mantiveram em frente à Caixa. Quase isso.


Quando entro no espaço dos caixas 24 horas, com uma plateia já formada em frente e dentro deste, percebo a vítima do ladrão chorando – uma mulher –, já sendo retirada e um policial militar meio escondido num canto e telefonando. Entendi: o "malandrão" estava detido, enquanto o policial chamava a rádio patrulha.


Em meio aos comentários revoltados e olhares curiosos, me esgueirei entre funcionários do banco e dei uma olhada no acusado. Hum... Era um pobre coitado, "pé-rapado" na gíria popular. Devia ter entre 35 e 40 anos, blusa de manga curta e calça, puídas e ditas sociais. Parecia calçar um chinelo, não deu para notar. Novamente imaginei: putz!, um desgraçado tolo e talvez desesperado, só pode ser.


Ninguém em sã consciência adere a esses expedientes nos dias de hoje. Em pleno meio-dia atacar uma mulher para levar sua bolsa ou algo que o valha, sozinho, com porte de vendedor de picolé, e sair correndo por uma rua lotada enquanto muitos resolvem te caçar, só pode ser coisa de maluco ou desesperado.


Fiquei sabendo em seguida que algumas pessoas alcançaram o elemento e começaram a aplicar-lhe a justiça de quem já está cheio de injustiças: cobriram o infeliz de pancada. Racionalmente os seguranças da Caixa Econômica tomaram as rédeas da situação e impediram o mané de sofrer o pior, detendo-o e levando-o para o interior do banco. Logo em seguida chega o policial correndo com a arma em punho para mostrar sua "otoridade".


Claro, não defendo criminosos. Mas é preciso prudência nesses momentos. Por mais que o elemento esteja errado, aplicar a justiça que achamos correta, num momento de fúria, somente pode gerar mais injustiça. Muitos na "plateia" já aprovavam o corretivo aplicado pelas ruas ao meliante. Num show de horror, por menor que seja, até mesmo o "público" se mostra grotesco.



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